Ministério Público para além da retórica
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- 14-08-2009
14.08.2009 Opinião pág.: 02
O Ministério Público deve muito à Carta Política de 1988, não só pela afirmação de suas atribuições institucionais, mas também pelo delineamento mais aprofundado dos direitos sociais. Pode-se dizer que a tutela de direitos sociais mais amplos, que já era feita de forma ainda embrionária, passou a ocupar lugar de relevo na seara de atribuições do Ministério Público, tendo-se em vista a constitucionalização de direitos relativos à saúde, ao meio ambiente, à infância e juventude, ao idoso, dentre outros.
Todavia, considerando o processo histórico de formação da Nação, deve-se ter em conta que existe um grande déficit de direitos sociais na realidade da população brasileira. Em outras palavras, a construção da cidadania pretendida pela Constituição Federal, no campo do ideal, encontra na sociedade atual uma situação factual bastante contrária ao exercício coletivo e individual dos direitos que passaram a ser assegurados pela Lei Maior.
Assim, contando que o texto constitucional prevê avanços jurídicos significativos, do confronto entre sua aspiração de bem estar social e a realidade sócio-econômica do povo brasileiro surge um quadro extremamente complexo, no qual grandes demandas por justiça passam a ser exigíveis, frente ao novo Direito Constitucional. Uma plêiade de novas exigências jurídicas se abate sobre realidades dilacerantes: pobreza, péssima distribuição de renda, violência, falta de condições de habitação, êxodos populacionais, falta de planejamento da ocupação do espaço, déficit educacional, fragmentação da família e diversos outros problemas sociais, comuns aos países periféricos, mas de acentuada dramaticidade em solo pátrio.
Diante deste quadro, se faz mister que o Ministério Público, incumbido ?da defesa dos interesses sociais?, tenha capacidade de atuar em todas as frentes. Contudo, diante da pulverização dos casos em cada uma das novas áreas de ação, é necessário que se tenham prioridades institucionais, sem se olvidar das atuações obrigatórias, por força de previsão legal. É imperioso que o Ministério Público indique quais são as que demandam atendimento mais urgente.
Aliás, a própria Constituição Federal nos obriga a fazer tais opções, ao emanar a obrigação de respeito à razoabilidade e à proporcionalidade, erigindo o bom senso jurídico ao patamar de princípio. É falaciosa a tentativa de dar conta da totalidade das questões sociais, por mais ampla, moderna e sofisticada que seja a estrutura do Ministério Público. As questões que se referem aos anseios mais abrangentes e profundos da população são as prioritárias e devem ser objeto de tratamento especial.
Uma forma de dar prioridade a algum assunto é traçar metas e executar planos que envolvam vários membros do Ministério Público para solucionar dívidas sociais da própria Instituição.
A grave questão das crianças institucionalizadas, aos milhares, em cada Estado da Federação, pode servir de exemplo. É uma dívida do Ministério Público com a sociedade e com as crianças sem família, abandonadas em entidades de acolhimento. Uma atuação coordenada que examinasse caso a caso todas as crianças e adolescentes dos abrigos, para a propositura da medida judicial cabível, seja para reintegrá-la à família de origem, seja para uma família substituta, seria a comprovação de que o Ministério Público Brasileiro realmente tem compromisso com sua vocação constitucional, para além da mera retórica.