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Os dois direitos – coluna Rangel Cavalcante de Brasília

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15.08.2010 caderno gente
Um ministro da segunda mais alta corte de justiça do País é flagrado recebendo gordas propinas de contraventores em troca de liminares. Foi “punido” com a aposentadoria, e vai receber todos os vencimentos de mais de 25 mil mensais, pelo resto da vida, sem trabalhar. O policial rodoviário federal Ednaldo Mascarenhas dos Santos recebeu uma propina de uns cem reais e foi demitido a bem do serviço público, sem direito a nada. Está passando por necessidades com a família. O jornalista Pimenta Neves matou friamente a namorada com dois tiros, em 2000. Condenado a mais de 20 anos de prisão, está solto, lépido e fagueiro, sem cumprir um dia da pena. Anderson Ferreira da Silva, um operário daqui de Brasília, matou uma pessoa em abril último. Já foi julgado e condenado a 26 anos de cadeia. O Paulo Maluf saqueou a prefeitura da maior cidade brasileira, responde a vários processos pelos mais diversos crimes e é procurado em quase 200 países pela Interpol. Está solto e gozando de imunidades como o deputado federal mais votado do Brasil. Angélica Aparecida de Souza, uma desempregada de São Paulo, furtou um pote de manteiga em um supermercado. Condenada a dois anos de cadeia, passou 4 meses no xadrez e cumpre o restante em regime aberto. Esses são alguns exemplos de como o Brasil conseguiu superar os romanos em matéria de genialidade no que tange ao Direito. Na Roma antiga, berço do nosso direito civil, havia dois direitos – o Jus Civil e, que se aplicava aos cidadãos romanos, a gente fina, e o jus Gentium, que envolvia os demais, como a plebe, os escravos, os estrangeiros etc. Eram dois direitos em duas legislações diferentes. Aqui na Pindorama conseguimos fazer melhor: os dois direitos num só.
Ou seja, a mesma lei é aplicada diferentemente a uns e outros. O mesmo artigo do Código Penal que baseou a condenação do jornalista de São Paulo foi aplicado ao operário de Brasília. Com resultados diferentes. Ambos condenados, mas um está solto e o outro preso. A propina do ministro é igual à do guarda rodoviário. Só diferiu no tamanho. Mas um foi premiado e o outro justiçado. É assim que funciona a justiça no país onde todos são iguais perante a lei. Só que, como na obra de Orwel, no meio desses todos há os que são mais iguais do que os outros. A menos de 2 meses das eleições ninguém fala em mudar esse estado de coisas. Nem os candidatos que demonstram insensibilidade para com os problemas e se perdem em discussões e promessas assistencialistas que nos transformam no país dos parasitas. Nem o cidadão, que perdeu a capacidade de enrubescer, e não apenas tolera como acha natural a corrosão dos princípios elementares da decência. E perde a oportunidade de usar o voto para dar um basta nisso.