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Soltura de presos pela Justiça gera polêmica

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04.02.2010 cidade
Por Ivna Girão e Natalie Caratti
Da Redação
Decisão polêmica foi tomada pela juíza Marlúcia de Araújo Bezerra, titular da 17a Vara Criminal: a magistrada concedeu liberdade a cinco acusados de sequestro, alegando excesso de prazo para o cumprimento do devido processo legal. Os detidos estavam presos, antes mesmo de ter sido dada a condenação formal, por um prazo maior que 105 dias, fazendo com que a prisão fosse decretada como ilegal. Eles obtiveram o alvará de soltura com base no direito fundamental à duração razoável do processo, garantia essa prevista no artigo 5o da Constituição Federal (CF) e no Pacto de São José da Costa Rica.
Entre os acusados ? tidos por alguns como de alta periculosidade ? está o assaltante de bancos e carros-fortes Alexandro de Sousa Ribeiro, o “Alex Gardenal”. Com essa medida fica a questão: respeitar e garantir direitos constitucionais ou ceder ao clamor de uma parte da população que condena a soltura e pede a manutenção dos presos, em nome de uma dita segurança pública? Escutamos algumas autoridades do meio jurídico, para tentar responder a essa complicada indagação.
CELERIDADE
Comentando sobre a polêmica decisão, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Ceará), Valdetário Monteiro, afirmou que, dentro do devido processo legal, a justiça é obrigada a cumprir com os prazos estabelecidos pela CF. “A decretação da ilegalidade da prisão e o alvará de soltura foram corretos, pois cumpriram com o que versa a Constituição Federal. O problema é que, nesses casos, a justiça deveria ter tido mais celeridade e ter priorizado o julgamento no tempo devido. Temos que respeitar os princípios constitucionais para a consolidação da democracia e garantia das liberdades”, disse Valdetário Monteiro.
Ele afirmou ainda que o julgamento dos acusados chegou a ser desmarcado várias vezes por falta de horário dentro da programação do Fórum Clóvis Beviláqua. “A justiça deveria ter tido mais atenção com esse caso, devido ao clamor popular que trazia. Se tivessem priorizado logo, o julgamento teria acontecido no prazo e não haveria motivo para a soltura dos presos. Todos devem ter os mesmos direitos, não podemos relativizar garantias sociais só porque a população os acha perigosos”, finalizou o presidente da OAB-CE. Os cinco réus são acusados de sequestrar um estudante de 17 anos, filho de um empresário cearense do ramo de automóveis, calçados e construção civil.
DECISÃO NÃO FOI RAZOÁVEL
Discordando da decisão da juíza, o presidente da Associação Cearense do Ministério Público, Manuel Pinheiro, afirmou que já há jurisprudências que autorizam a ampliação do prazo do processo para além dos 105 dias. Segundo ele, como o procedimento era muito complexo e tinha cinco acusados, o lavramento de provas e de testemunhas requeria mais tempo e trabalho, por isso o “atraso” no julgamento. “Eu acho que a decisão da juíza não foi razoável em soltar os acusados, já que poderia ser prorrogado o prazo. Entretanto, reafirmamos que esse descumprimento dos 105 dias não pode virar regra, tem que ser uma exceção. Eu soube que a data limite de julgamento seria somente no dia 19, então eles deveriam continuar presos, para evitar danos à segurança do povo”, comentou Manuel Pinheiro.
JUSTIÇA TEM QUE SER RACIONAL
Advogado e coordenador da Pastoral Carcerária, Igor Barreto afirmou que as ações devem ser tomadas e adequadas segundo a lei atual. Para ele, os princípios constitucionais devem ser respeitados por serem valiosos à democracia e à dignidade dos detentos. ?O descumprimento de prazos é, infelizmente, uma violação de direito muito comum aos presos cearenses. Com esse caso dos sequestradores, não podemos deixar que a justiça se envolva com o sentimento de punição e de rancor do povo. Ela tem que ser racional e cumprir o que versa a Constituição. Parte da sociedade, por estar sofrendo com a violência, age de modo emotivo e traz no coração todo o ódio e vontade de prender e matar todos. Temos que expurgar esse rancor do coração?, disse o coordenador da Pastoral Carcerária. ?Há muitos casos de detentos que estão presos sem terem sido julgados. Isso é inaceitável. Eu até entendo o medo da população, mas a justiça não deve se envolver cegamente com os sentimentos do povo?, finalizou Igor Barreto.
PONDERAR É IMPORTANTE
Ponderar e avaliar. Para o professor e coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) César Barreira, é preciso cautela para fazer qualquer julgamento referente ao acontecimento. César afirma que é indispensável relativizar o clamor público. ?Às vezes é correto e às vezes é exagerado. Tenho muito receio, porque essas decisões são tomadas no calor do momento, muito ou nada racionais?, aponta.
Para o professor, também vale fazer uma crítica à Justiça, questionar a maneira de agir em casos específicos como sequestro e estupro. Ele diz que essas situações devem ser questões prioritárias, ?merecem maior vigilância, são as mais graves. Na política da Polícia, deve haver uma reflexão profunda; e deveriam ter tratamento diferenciado no poder judicial?. Ele considera complicado articular o que se aplica na ordem com a democracia. Barreira afirma que todos devem ter direito de defesa, e serem punidos dentro da lei. ?Mas, essa a soltura cria um impasse na sociedade?, finaliza.
QUEM SOFRE É A SOCIEDADE
De acordo com o inspetor do setor de inteligência da Delegacia de Antissequestro (DAS), João Flávio, ?quem sofre com essa situação é a sociedade, infelizmente. Todos eles têm uma grande folha corrida de crimes. A gente faz o procedimento, se a Justiça liberou, aí já não é mais com a gente?. Ele acredita que em breve haverá outros casos de sequestros cometidos novamente pelos criminosos libertados pela Justiça.
SEQUESTRADORES SOLTOS
Dos cinco sequestradores que tiveram liberdade determinada pela justiça, dois saíram da prisão ontem, de acordo com a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus). São eles: O policial militar Solonildo, que estava preso em uma unidade policial e Francisco Eriverton, que estava detido no IPPOO II. Estes devem responder o processo em liberdade. Segundo a Sejus, Alexandre de Sousa Ribeiro, o ?Alex Gardenal?, preso no IPPOO II, Francisco Márcio, que está recolhido no IPPS e Francisco Edverton, detido no IPPOO I devem continuar presos, pois respondem a outros processos.
– ?A Polícia prende, a Justiça solta. Aqui no Brasil é assim, não tem jeito. O sequestrador, perigoso, passa um tempo na cadeia, mas logo depois é solto?. Homem italiano, que trabalha numa banca de revistas e prefere não se identificar.
– ?Soltam achando que eles podem mudar, mas não mudam. Os presos libertados vão continuar fazendo os mesmo crimes. O culpado é a Justiça?. Georgia Jorge, 25, promotora de vendas.
– ?Deveriam investigar mais para ver se realmente eles são culpados?. Fátima Macêdo, demonstradora de cosméticos.